sexta-feira, 22 de outubro de 2010

FATOS DA VIDA

“Moro a duas quadras daqui”, disse a mulher mais velha. Ela tinha trinta e dois anos. Saímos da festa, eram umas três da manhã, cambaleamos pela calçada até a entrada do prédio dela. Pela primeira vez eu ia comer uma coroa. Mulheres mais velhas não me excitam especialmente, mas eu estava ansioso pra ver do que ela era capaz. Perguntei o que ela fazia, “ Sou fotógrafa”. Quando entramos no apartamento, o que vi foram quadros nas paredes. “Estes são meus quadros”, ela apontou desequilibrando-se, a boca mole, alcoolizada. Apartamento acertadinho, vasta cama de casal. Enquanto nos esfregávamos e despíamos as roupas, quase dormi. Cheiro de mulher mais velha, mais azedo, mais forte. Sei lá o que aconteceu, ela me cavalgou. Lutei pra não pegar no sono. Olhei pra ela, também parecia estar dormindo, em cima de mim. E estava. Ela desabou pro lado e começou a roncar. Não gozei e, misteriosamente, perdi o sono. Me levantei e comecei a passear pelo apartamento. As pinturas eram horríveis. Estavam no quarto, na sala, no corredor. Deveriam incinerar todas as naturezas-mortas. Não respeito pessoas que pintam frutas, nem vegetarianos em geral. Senti vontade de vomitar, mas respirei fundo e passou. Fiquei um tempo para- do na cozinha, em silêncio, aguardando que viesse algum ruído lá da rua pra me distrair. Antes que isso acontecesse, veio uma terrível vontade de mijar. Fui dedilhando as paredes do corredor. Pouco antes de chegar na porta que decerto seria a do banheiro, surgiu na minha frente um menino. Vestia um pijama verde-água de mangas compridas. Parecia um indiozinho com cabelos lisos bem cortadinhos e imensos olhos arregalados. Sua cabeça ficava mais ou menos na altura das minha bolas, ele ficou ali encarando em linha reta o meu escroto, sem dizer nada. Fiquei paralizado. Um pouco depois passou por mim, cuidando pra não se encostar, e foi em direção ao quarto: "Mãe?"... Ele me pareceu assustado. Entrei no banheiro, fechei a porta e mijei. Voltei para conferir o quarto. O menino estava em cima da cama, sacudindo a mãe. "Acho que a tua mãe tá muito cansada, ela não vai acordar. Vai dormir" eu disse pra ele, me vestindo. Ele me seguiu quando eu saía pela porta. "Tranque a chave", sugeri. "Tu não sabe onde tá o meu pai?", ele perguntou meio choroso. Demorei pra responder. "Ele deve tar viajando". Desci pelas escadas cantando uma música, fazendo esforço pra só começar a pensar em tudo isso no dia seguinte.

Daniel Galera



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